02 maio 2022

Medo da eternidade

Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas. Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou: — Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira. — Como não acaba? — Parei um instante na rua, perplexo. — Não acaba nunca, e pronto. Eu estava bobo: parecia-me ter sido transportado para o reino das histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta. Com delicadeza, terminei afinal pondo na boca. — E agora que é que eu faço? — Perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver. — Agora chupe para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários. — Perder a eternidade? Nunca. O adocicado era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexo, encaminhávamo-nos para a escola. — Acabou-se o docinho. E agora? — Agora mastigue para sempre. Assustei-me, eu não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeito. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito. Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar aquele chiclé. Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia. — Olha só o que me aconteceu! — Disse eu em fingidos espanto e tristeza. — Agora não posso mastigar mais! A bala acabou! — Já lhe disse — repetiu minha irmã — que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá. Eu estava envergonhado diante da bondade de minha irmã, envergonhado da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso. Mas aliviado. Sem o peso da eternidade sobre mim.


(adaptado do texto de Clarice Lispector)

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